Dias desses, assisti a um episódio do programa Mundo S. A., da Globo News, sobre como a inteligência artificial começou a ser utilizada em diversos setores da indústria. No programa, são mostrados alguns exemplos já em funcionamento no Brasil, como a de um robô que está substituindo 500 atendentes de telemarketing em um banco que opera no país.
Diante disso, minha primeira reflexão foi um questionamento: não estariam as máquinas inteligentes roubando nossos empregos? O repórter fez esta mesma pergunta a uma máquina de inteligência artificial da IBM, que respondeu o seguinte: "o intuito da inteligência artificial não é substituir o homem, mas ampliar suas capacidades cognitivas para ajudá-lo em suas atividades". Talvez a substituição de humanos não seja o principal intuito da inteligência artificial, mas... não seria o resultado natural e inevitável de sua aplicação?
Desde a crise financeira mundial de 2008 que eu não me deparava com tantos textos tratando sobre desemprego massivo em escala global. Já li diversas previsões bastante desanimadoras para os próximos vinte anos, com projeções que apontam para desemprego em taxas superiores a 30% em diversos países. Entretanto, é bom lembrar que este tipo de previsão não é algo novo na nossa história. Aliás, a modernidade surgiu com este mesmo tipo de tensão entre tecnologia e desemprego.
Logo após a Revolução Industrial, quando a produção artesanal começou a dar espaço para a produção mecanizada, começou a surgir teorias de que as máquinas acabariam com os empregos humanos. O ápice da tensão foi no início do século 19, quando surgiu o Ludismo, um movimento de trabalhadores ingleses contrários à mecanização. Como forma de protesto, os ludistas se reuniam em grupo, com martelos e porretes à mão, invadiam fábricas e destruíam suas máquinas industriais. O movimento acabou sendo duramente repreendido, mas suas ideias e temores sobre máquinas que roubam empregos continuaram nos dois séculos seguintes.
Desde então, passamos por diversas crises econômicas no mundo, que resultaram em picos temporários de grande desemprego nas cidades, e a tecnologia sempre foi uma das primeiras a serem apontadas como possível causa da falta de vagas.
Entretanto, também observamos que se repete um padrão lógico na aplicação da tecnologia: a cada nova invenção, diversas vagas são perdidas, mas diversas outras são inventadas para dar conta da invenção. Cito como exemplo a lavoura: se alguém inventa uma máquina que substitui centenas de trabalhadores rurais, por outro lado, a invenção faz surgir a necessidade de contratação de outras centenas de trabalhadores para o desenvolvimento tecnológico, produção, comercialização e manutenção da nova tecnologia. Desta forma, a automatização tecnológica não estaria diminuindo a quantidade de vagas, mas mudando o perfil delas: de trabalhos manuais e repetitivos para trabalhos intelectuais, que exijam reflexão, pesquisa, poder de comunicação e de negociação. Por isso, os trabalhos que exigem poder intelectual e comunicativo estariam cada vez mais valorizados, já que as máquinas não podem pensar e nem conversar, certo?
Bem, parece que agora elas podem. De forma bastante rudimentar, mas já suficiente para substituir muitos serviços que, até então, eram inteiramente humanos. E é aí que entra a grande preocupação do momento.
Se antes trocávamos apenas os trabalhos manuais e repetitivos, agora estaríamos trocando esses tios de trabalhos e também os que envolvem inteligência e comunicação, como os serviços de atendimento, de venda, de resolução de problemas, de relacionamento, de negociação, de mediação. Já há máquinas inteligentes que dirigem, que compram e vendem ações, que analisam resultados de exame médico, que escrevem textos e notícias. Para piorar, a produção de máquinas inteligentes exige relativamente poucas pessoas, superespecializadas, porque o sistema da inteligência artificial tem capacidade de aprender sozinho, por meio do feedback constante dos humanos (quanto mais falamos com um robô, melhores serão suas futuras respostas). É por isso que o empresário da tecnologia Elon Musk afirmou dias desses, no evento World Government Summit, que "(no futuro) existirão menos e menos serviços que um robô não faria melhor".
Se na automatização da lavoura trocávamos seis vagas (manuais) por meia dúzia de vagas (intelectuais), com a inteligência artificial nós estaríamos trocando milhões de empregos por algumas centenas. Há projeções indicando que esta diferença tende a crescer de forma acelerada, já que a evolução computacional não cresce em progressão aritmética (1, 2, 4, 6, 8...), mas em progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16...). Em outras palavras: ao contrário do que ocorria com as tradicionais máquinas automatizadas dos últimos anos, as máquinas inteligentes substituiriam humanos de forma muito desproporcional e em velocidade cada vez mais acelerada. Ou seja: a cada ano que passa, o problema tende a piorar mais do que no ano anterior.
Qual seria a solução? Um Movimento Ludista 2.0? A destruição de algumas máquinas inteligentes resolveria o problema? Claro que não. Além dos problemas morais e legais, a destruição de máquinas alheias não seria nada eficaz. De nada adiantaria a destruição de equipamentos, já que os robôs inteligentes continuariam funcionando normalmente, pois eles não residem em um único computador: eles moram "na nuvem", ou seja, nos diversos servidores espalhados pelo mundo inteiro.
Já me deparei com diversas propostas de solução para a eminente grande crise mundial do desemprego: desde a distribuição de uma renda básica universal para todos os cidadãos até a taxação sobre robôs, para reverter o dinheiro na manutenção das vidas humanas afetadas pelas máquinas. De todas as propostas que li, a que vejo como mais viável e justa é a da diminuição global na jornada de trabalho. A tecnologia aumentou intensamente a produtividade das empresas na última década, então nada mais justo que dar uma folga para os seus criadores: os humanos. Afinal, a jornada de oito horas foi inventada há mais de um século, em uma época que uma mensagem demorava dias para viajar de uma cidade a outra. Produzimos dezenas de vezes mais que um trabalhador do início do século 20, mas trabalhamos quase o mesmo, ainda mais se considerarmos o tempo de transporte em grandes cidades. A diminuição da jornada de trabalho ajudaria a aumentar o número de vagas no mercado e a melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Além disso, o aumento do período de ócio também poderia gerar novas demandas e novos mercados, como o do entretenimento, o da cultura e o da educação.
Não estaríamos na hora de pensar e debater sobre este tipo de mudança? Não seria ESTA a hora para se pensar neste tipo de solução? Bem, se avaliarmos as últimas decisões políticas no país, me parece que o Brasil está fazendo justamente o contrário: caminhando em direção ao aumento na carga de trabalho em um mundo de máquinas cada vez mais inteligentes e empregos cada vez mais escassos. A minha impressão é que nossos governantes ainda não perceberam a gravidade do problema (ou não deram a devida importância). O jeito será seguirmos nossas vidas como sempre foi por aqui: esperando pelas soluções geradas por países politicamente mais ágeis, inovadores e corajosos. Enquanto esse dia não chega, a minha sugestão é: preparem-se mais para enfrentar um futuro incerto. Eduque-se, diversifique sua capacidade intelectual, atualize-se sobre sua própria atividade profissional. As mudanças provocadas pela inteligência artificial estão cada vez mais aceleradas.